Em 2018, a Ancine divulgou um estudo sobre a diversidade de gênero e raça no cinema brasileiro a partir da análise dos longas lançados comercialmente em 2016. A pesquisa mostrou que 75,4% dos filmes foram dirigidos exclusivamente por homens brancos. As mulheres dirigiram sozinhas apenas 19,7% dos projetos, também exercendo pouco outras funções como roteiro (16,2%) e fotografia (7,7%).
Os dados são ainda mais alarmantes quando olhamos para a diversidade de raça: naquele ano, nenhuma mulher negra ou indígena assinou a direção de um longa e apenas 2,1% dos projetos contaram com direção de homens negros. Essa invisibilidade também é percebida na grande maioria dos livros e cursos que trata da história do cinema.
Entretanto, apesar das mulheres (e aqui pensando no plural) não estarem presentes na história e nos dados oficiais da produção comercial, elas estiveram, em diferentes momentos, produzindo suas histórias. Assim como outros grupos subalternizados, que também têm suas narrativas invisibilizadas nos grandes meios de exibição, as mulheres têm utilizado o cinema e o audiovisual em produções mais independentes, em distintas metragens, para construir narrativas outras, relacionadas às suas vivências particulares, (re)pensando – muitas vezes – tanto forma quanto conteúdo.
O cinema e o audiovisual são entendidos como instrumentos potentes tanto para auxiliar na reprodução das opressões quanto para serem utilizados como ferramentas de resistência. Por um lado, podem reproduzir as estruturas machistas, racistas, classistas, heteronormativas e colonialistas de nossas sociedades, atuando para que diversas desigualdades sociais e estereótipos sejam naturalizados. Por outro, as produções audiovisuais realizadas por aquelas que não se sentem representadas – e satisfeitas – com o que veem nas telas podem ser também instrumentos de luta, que se tensionam para apresentar novas histórias, rostos, personagens e regiões. Nesse caso, exibem olhares fora da curva, em que se produzem muitas versões que questionam os padrões impostos pelas estruturas hierárquicas das colonialidades.
Nesse sentido, idealizada pela professora e pesquisadora Danielle de Noronha, que realiza o projeto ao lado da professora e pesquisadora Maíra Ezequiel, a mostra Elas por Trás das Câmeras nasceu, inspirada em outras iniciativas similares, com a proposta de trazer para Sergipe esse debate e visibilizar filmes realizados por mulheres e dissidências de gênero, além de fomentar a prática curatorial e o protagonismo com uma equipe formada apenas por mulheres.
A primeira edição da mostra Elas por Trás das Câmeras ocorreu em 2018, em parceria com a II Semana de Antropologia da UFS e com o Grupo de Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas (GERTs). De 27 a 30 de novembro, foram exibidos 10 filmes que contemplaram as temáticas: “A produção no âmbito do curso de audiovisual da UFS”, “Mulheres negras no audiovisual”, “Mulheres e cinematografia” e “O audiovisual fora do eixo Rio-São Paulo”. Além dos filmes, depois de cada sessão foram realizados debates com profissionais convidadas.
Em 2019, ocorreu a segunda edição da mostra, também em parceria com a Semana de Antropologia da UFS, em sua terceira edição, e com o GERTs durante os dias 6 a 8 de novembro. A programação contou com a exibição de curtas-metragens, tanto do gênero ficcional quanto do documental, dirigidos e protagonizados por mulheres, além de realizar debates após as projeções com as temáticas “O cinema é político”, “Debates sobre gênero e raça” e “Nós somos resistência”.
A terceira edição da mostra ocorreu entre os dias 4 e 17 de janeiro de 2021 e foi realizada online, devido ao período de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, como parte do projeto UFS | Cine Vitória Online, projeto de extensão coordenado pela proponente deste projeto, que buscou tanto fomentar o acesso a filmes gratuitamente por meio do YouTube quanto ajudar no desenvolvimento de atividades do Cinema Vitória de forma remota. A programação contou com 14 curtas e quatro longas-metragens, além de uma masterclass e um podcast sobre o tema, ambos disponíveis nos canais do projeto.
Ainda de forma remota, a quarta edição da mostra ocorreu ainda em 2021 num formato especial focado em filmes dirigidos ou codirigidos por mulheres em Sergipe. Essa edição voltou a ser realizada em parceria com a IV Semana de Antropologia da UFS e ocorreu entre os dias 4 e 6 de maio, no canal do YouTube do PPGA/UFS.
Por fim, a quinta edição ocorreu de 21 a 23 de novembro de 2023 como parte da programação da VI Semana de Antropologia da UFS com as temáticas “Corpos”, “Memórias” e “Tempos”.
Nesta sexta edição, que acontecerá de 24 a 28 de novembro de 2025, a mostra busca ampliar seu alcance e o seu formato, se consolidando tanto no circuito de festivais e mostras focados no cinema de mulheres como no circuito de circulação e exibição de filmes no estado de Sergipe.
O tema da mostra deste edição, Redescobrir e Reinventar, teve como inspiração diversos assuntos relacionados à ideia do tempo: a característica cíclica do tempo; o modo como o capitalismo faz com que não vejamos o tempo passar e não saibamos viver o presente; a importância da memória e as possibilidades para o futuro. Com isso, a mostra objetiva se unir a diversas vozes que têm buscado redescobrir o passado para reinventarmos o nosso presente.
A 6ª Mostra Elas por Trás das Câmeras é realizada com recursos da Lei Complementar Federal nº 195/2022 – Lei Paulo Gustavo, por meio do edital Nº 06/2023 – TARCÍSIO DUARTE, executado pela Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe – FUNCAP/SE.